| publicado 13/10/2020 00:13, modificado 14/10/2020 01:23 |
Atividade que o menor exerceu aos 17 anos é listada entre as piores formas de trabalho infantil.
A exploração dos serviços de menor de idade em período noturno e na venda de bebidas alcoólicas ensejou a condenação de um bar em Almenara (MG) por danos morais. Por unanimidade, os julgadores da Terceira Turma do TRT de Minas confirmaram a sentença que declarou o vínculo de emprego entre o garçom e o estabelecimento no período de 2/3/2017 a 22/4/2019. Além disso, por maioria de votos, condenaram o reclamado a indenizar o trabalhador em R$ 2 mil, por danos morais, considerando que, no início da relação de trabalho, ele contava com apenas 17 anos.
Atuando como relator, o juiz convocado Tarcísio Correa de Brito identificou no caso que a atividade realizada pelo menor integra lista prevista em norma legal que dispõe sobre as piores formas de trabalho infantil, tratando-se de trabalho prejudicial à moralidade, o que, nas palavras do relator, “não deverá ser ignorado pela Justiça do Trabalho”.
Na detida análise que fez sobre o tema, o julgador pontuou que, pela própria construção histórico-social, todo o conjunto normativo que se adota no âmbito internacional e interno para proteção da criança e do adolescente percorre uma linha que se desloca da consideração de sua função enquanto “trabalhador”. Na década de 90, conforme lembrou, foi adotada a Convenção sobre os direitos da criança de 1989, seus pactos adicionais, e, ainda, a Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho sobre as piores forma de exploração do trabalho infantil.
Para o juiz Tarcísio Correa de Brito, é necessário buscar um “novo olhar” sobre a educação e a própria cultura da sociedade, com o objetivo de definir melhor os interesses de crianças e de adolescentes, com vistas a suas necessidades biopsicossociais, garantindo um espaço para um diálogo criativo, não fazendo de sua proteção “um mero prolongamento do passado”.
Conforme observou o relator, a proteção à criança e ao adolescente quanto à fixação de uma idade mínima (vinculada ao término do ciclo escolar básico obrigatório) para o exercício de atividade produtiva em diversos setores é passível de flexibilização. Leva-se em conta o nível de desenvolvimento do Estado e as características sócio-econômico-culturais reconhecidas nas normas internacionais do trabalho que tutelam o tema. Entretanto, essa possibilidade não pode significar que o Poder Judiciário deixe de considerar os casos de violação flagrante quanto ao exercício de determinadas atividades incompatíveis com o seu desenvolvimento psicossocial.
Na decisão, o julgador apontou também que há um percurso lógico na proteção aos direitos da criança e do adolescente: a adoção de declarações (1924, 1942, 1948, 1952) não obrigatórias, mas universais na maioria das vezes; de uma convenção geral obrigatória, dentro das regras da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 e, finalmente, os Protocolos ou Pactos que incluem, progressivamente, especificando e tutelando um regime de proteção ao qual são incorporados novos direitos e liberdades, aprimorando a proteção inicial, com destaque ao protocolo adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos.
Ainda segundo Tarcísio Correa, com a inserção prematura da criança e do adolescente no mercado de trabalho, não há garantia específica de sua socialização ou de intercâmbio com outros de seu “universo de relações formativas”, o que lhe poderia garantir um desenvolvimento seguro e promissor. Na verdade, alardear que é “melhor uma criança trabalhando do que nas ruas” vem demonstrar que sempre, por detrás de uma criança trabalhando, existe, na maioria das vezes, um pai e uma mãe desempregados, que necessitam de seu auxílio ou que simplesmente o exploram. Perpetuam-se, assim, pobreza e dependência.
“Percebe-se, portanto, que crianças e adolescentes gozam de proteção emanada da Constituição da República, de convenções internacionais gerais e das normas internacionais do trabalho (NIT’s), além do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente”, registrou no voto.
E acrescentou que, na sequência à adoção da Convenção “unificadora” das idades mínimas de admissão de emprego (Convenção nº 138), foi aprovada pela 87ª sessão da Conferência Geral da OIT, em Genebra, em 17 de junho de 1999, a Convenção nº 182 relativa à proibição das piores formas de trabalho infantil e à ação imediata para sua eliminação.
O magistrado ressaltou que, para os fins da Convenção nº 182, o termo “criança” refere-se aos menores de 18 anos (artigo 1), sendo que as “piores formas de trabalho infantil” compreendem: a) todas as formas de escravidão, servidão e trabalhos forçados ou obrigatórios, inclusive, a venda e servidão por dívidas, compreendendo-se, ainda, o recrutamento forçado e obrigatório de crianças para que sejam utilizadas em conflitos armados; b) o recrutamento ou oferecimento da criança para fins de prostituição, produção de material pornográfico ou de espetáculos pornográficos; c) utilização, recrutamento ou oferecimento de criança para atividades ilícitas, notadamente na produção e tráfico de entorpecentes, tais quais definidos nas convenções internacionais pertinentes; d) os trabalhos que, por sua natureza ou condições nas quais se exerçam, estejam susceptíveis a prejudicar a saúde, segurança ou a moralidade da criança (alíneas “a” a “d”).
Ainda como explicitado na decisão, a Convenção 182 impõe aos Estados a obrigação quanto ao estabelecimento de uma lista periódica dos “trabalhos” assim classificados, principalmente, de acordo com a Recomendação sobre as piores formas de trabalho infantil de 1999, após consulta às organizações de empregados e empregadores. Deverão ser, ainda, efetivados programas de ação tendentes a eliminar as piores formas de exploração do trabalho infantil, que devem ser elaborados (artigos 5 e 6) mediante consulta às instituições públicas competentes e às organizações de empregados e empregadores, estabelecendo, inclusive, sanções penais ou de outra natureza (parágrafo primeiro do artigo 7).
De acordo com a previsão do parágrafo 2º do artigo 7º da Convenção, segundo registrou o juiz convocado, foi estabelecida a importância da educação na eliminação do trabalho infantil, impondo-se que sejam tomadas medidas a fim de impedir que crianças e adolescentes se engajem nas piores formas de trabalho, da seguinte forma: concedendo-lhes ajuda direta necessária e apropriada, subtraindo-as desse tipo de trabalho e assegurando-lhes sua readaptação e integração social; assegurando o acesso à educação de base gratuita, bem como, quando possível e apropriado, à formação profissional; identificando as crianças particularmente expostas aos riscos e contactá-las diretamente, considerando particularmente a situação das meninas (alíneas “a” a “e”).
Para a efetivação dessa proteção, continuou o relator, o artigo 8º prevê que os Estados devem adotar medidas apropriadas através da cooperação e/ou assistência internacional reforçada, compreendendo a adoção de medidas de sustentação para o desenvolvimento econômico e social, para os programas de erradicação da pobreza e garantia de educação universal.
Tarcísio Correa lembrou ainda que, nessa linha, o Decreto nº 6481/2008 regulamentou os artigos 3º, alínea “d” e 4º da Convenção nº 182 (aprovada pelo Decreto Legislativo no 178, de 14 de dezembro de 1999, e promulgada pelo Decreto no 3.597, de 12 de setembro de 2000) para incluir na lista das piores formas de trabalho infantil (lista TIP) o que denomina Trabalhos Prejudiciais à moralidade, destacando-se:
1. Aqueles prestados de qualquer modo em prostíbulos, boates, bares, cabarés, danceterias, casas de massagem, saunas, motéis, salas ou lugares de espetáculos obscenos, salas de jogos de azar e estabelecimentos análogos;
2. De produção, composição, distribuição, impressão ou comércio de objetos sexuais, livros, revistas, fitas de vídeo ou cinema e CDs pornográficos, de escritos, cartazes, desenhos, gravuras, pinturas, emblemas, imagens e quaisquer outros objetos pornográficos que possam prejudicar a formação moral;
3. De venda, a varejo, de bebidas alcoólicas;
4. com exposição a abusos físicos, psicológicos ou sexuais.
Na decisão, o juiz convocado mencionou Carolina Tupinambá (“Danos extrapatrimoniais decorrentes das relações de trabalho”, 2018), segundo a qual o fundamento para que seja conceituado o dano moral consiste no tratamento do ser humano como valor absoluto e singular, enquanto inserido no centro da ordem jurídica, inclusive, nos termos dos artigos II e III da Declaração Universal dos Direitos Humanos. No plano constitucional, o dano moral lato sensu é a “violação ao direito subjetivo constitucional à dignidade”.
“Não se pode perder de vista que o dano moral consiste na violação da obrigação geral de respeito à pessoa humana, individual ou coletivamente considerada, acabando por alterar o bem-estar psicofísico da pessoa. Não se trata de mera dor, sofrimento, tristeza, aborrecimento, infelicidade como se pretende compreender”, registrou. E, no caso, o julgador identificou a atividade desenvolvida pelo menor integra a lista TIP, quanto a trabalhos prejudiciais à moralidade, em ofensa à norma que trata do tema.
Considerando que o reclamante tinha apenas 17 anos quando começou a trabalhar no bar, o relator decidiu dar provimento ao recurso para acrescer à condenação o pagamento de indenização por dano moral, arbitrada em R$ 2 mil, entendimento que foi seguido pela maioria dos julgadores da Turma.
Processo
PJe: 0010002-81.2020.5.03.0046 (RO)
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-MG)