Empresa terá que indenizar empregada dispensada durante a estabilidade provisória prevista em Programa Emergencial para enfrentamento da pandemia

|publicado 26/08/2021 00:54, modificado 26/08/2021 00:54 |

Houve a suspensão temporária do contrato de trabalho e a estabilidade deveria vigorar por igual período.

Os julgadores da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, por unanimidade, acolheram o recurso de uma trabalhadora para reconhecer a ela a estabilidade provisória no emprego decorrente da suspensão temporária do contrato de trabalho, nos termos da nº Lei 14.020/2020. A Lei instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, para enfrentamento do estado de calamidade pública provocado pela pandemia do novo coronavírus.

A autora teve o contrato de trabalho suspenso pela empregadora e, dessa forma, adquiriu a estabilidade provisória no emprego por período equivalente à suspensão, nos termos previstos na lei mencionada. Entretanto, foi dispensada sem justa causa enquanto ainda usufruía da estabilidade.

As duas empresas do ramo de confecção, que compunham grupo econômico, foram condenadas, de forma solidária, a pagar à trabalhadora a indenização substitutiva da estabilidade, nos termos do artigo 10, inciso III, parágrafo 1º, III, da Lei nº 14.020/2020, correspondente, no caso, ao período de 46 dias (referente à última suspensão do contrato de trabalho), contado a partir da dispensa imotivada da empregada (9/2/2021). A indenização correspondeu apenas aos salários do período, conforme previsão legal.

A sentença havia negado o pedido da trabalhadora nesse aspecto. O fundamento foi que, para o direito à garantia de emprego prevista no artigo 1º, incisos I e II, da Lei nº 14.020/2020, é preciso haver prova do recebimento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (Beper), no período de vigência do programa, nos termos do artigo 1º da Lei. De acordo com o juízo de primeiro grau, apenas o acordo individual de suspensão não seria suficiente para a caracterização da garantia de emprego, e, no caso, não houve prova de que a empregada recebeu o benefício social.

Em seu recurso, a trabalhadora argumentou que a sentença admitiu exceção que nem mesmo foi alegada pelas empresas e que cabia a elas demonstrar eventual fato impeditivo do direito, como o não recebimento do benefício emergencial. Argumentou ter direito a sete meses e 16 dias de garantia de emprego a contar da rescisão do contrato, que coincide com o fim da última suspensão. Pretendeu o recebimento da indenização, na forma prevista no artigo 10, parágrafo 1º, inciso III, da Lei nº 14.020/2020, que deveria, no seu entender, corresponder a sete meses e 16 dias de salário, conforme projeção da garantia de emprego.

Nova modalidade de estabilidade provisória no emprego – O pedido da trabalhadora foi parcialmente acolhido pela relatora, desembargadora Adriana Goulart de Sena Orsini, cujo voto foi acompanhado pelos demais julgadores. Ela ressaltou que a Lei nº 14.020/2020 criou nova modalidade de estabilidade provisória no emprego e que, ao contrário do decidido na sentença, cabia às empresas comprovarem o não recebimento do benefício social por parte da autora, o que nem chegou a ser alegado na defesa das rés.

A pandemia e a flexibilização temporária das normas celetistas – Ao expor os fundamentos da decisão, a desembargadora lembrou que a Organização Mundial de Saúde declarou a pandemia do novo coronavírus em decorrência da disseminação da doença por todo o mundo. “No Brasil, o estado de calamidade pública foi reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20/3/2020 e a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus (Covid-19) foi decretada pelo Ministério da Saúde em 3/2/2020, nos termos da Lei nº 13.979, de 6/2/2020”, completou.

As Medidas Provisórias nºs 927/2020 e 936/2020, esta última convertida na Lei nº 14.020/2020, continuou a relatora, estabeleceram regras que flexibilizaram, temporariamente, as normas celetistas, com objetivo de garantir renda e manter os empregos nesse período de calamidade pública decorrente da pandemia. Nesse aspecto, destacou que a MP 927/2020 disciplinou, por exemplo, sobre o teletrabalho e a antecipação de férias e feriados, enquanto a MP 936/2020 trouxe regras que autorizaram a redução de jornada e de salário e a suspensão temporária dos contratos de trabalho. Depois disso, diante da segunda onda da pandemia da Covid-19, o Governo Federal editou, no dia 27/4/2021, a Medida Provisória nº 1.045/2021, que retomou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.

Força maior e “fato do príncipe” – Inaplicabilidade – De acordo com a julgadora, não se aplica, ao caso, a teoria do factum principis, ou “fato do príncipe”, prevista no artigo 486 da CLT, segundo o qual: “No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável”. A relatora explicou que, embora a pandemia possa ser classificada como força maior, requisito indispensável para configuração do “fato do príncipe”, não houve, na situação examinada, a suspensão apenas de uma única atividade ou empresa, mas, sim, de um conjunto de atividades consideradas não essenciais, e de forma absolutamente transitória.

Assim, não há cogitar, na hipótese, o “fato do príncipe”, tendo em vista que esse instituto pressupõe ato discricionário da autoridade pública, que acarreta paralisação temporária ou definitiva do trabalho, sem a possibilidade de continuação da atividade”, destacou.

Além disso, a relatora considerou imprescindível ressaltar, porque de grande relevância para a solução da questão, que a Lei nº 14.020 (lei de conversão da MP nº 936), em seu artigo 29, foi expressa ao estabelecer a inaplicabilidade do artigo 486 da CLT no caso de paralisação ou suspensão de atividades empresariais decorrentes da pandemia.

Nesse aspecto, saliento que a rescisão do contrato de trabalho da reclamante se mostrou medida inclusive contrária aos atos do Poder Público de garantir a permanência do vínculo empregatício e manutenção do emprego e da renda, nas diversas esferas administrativas”, enfatizou a julgadora na decisão.

Ao formar sua convicção, a desembargadora também levou em conta o princípio da alteridade, previsto no artigo 2º da CLT, que veda a transferência dos riscos da atividade econômica ao empregado ou a terceiro.

Portanto, não há que falar em aplicação dos artigos 502, da CLT, e artigo 486 da CLT, em face da inexistência de regramento legal que contemple a mitigação de verbas rescisórias”, concluiu.

Lei federal para manutenção do emprego e da renda – Na decisão, a julgadora realçou que a Lei nº 14.020/2020, que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, criou nova modalidade de garantia provisória de emprego, amparando o pedido da trabalhadora, ao menos parcialmente.

Citou o artigo 10 da lei, que reconheceu a garantia provisória no emprego ao empregado que receber o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, previsto no artigo 5º do mesmo diploma legal, em decorrência da redução da jornada de trabalho e do salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho.

A magistrada pontuou que, segundo os incisos I e II da norma legal mencionada, tratando-se de suspensão temporária do contrato de trabalho, como no caso, a garantia provisória prevalecerá durante o período acordado de suspensão e após o encerramento desta, por período equivalente ao acordado.

Por fim, ressaltou que, de acordo com o parágrafo primeiro, inciso III, da regra, havendo dispensa sem justa causa durante o período da garantia provisória no emprego decorrente da suspensão contratual, o empregador deverá pagar, além das parcelas rescisórias, indenização no valor de 100% do salário a que o empregado teria no período de garantia. O parágrafo 2º estipula que a indenização não será devida nos casos de pedido de demissão ou dispensa por justa causa do empregado.

As circunstâncias do caso – Não houve dúvidas acerca das suspensões do contrato de trabalho da autora, conforme demonstraram os documentos apresentados pela empresa. O contrato de trabalho foi suspenso por 60 dias a partir de 9/4/2020; por 30 dias a partir de 8/6/2020; por outros 30 dias a contar de 16/7/2020; por mais 60 dias a partir de 17/9/2020 e por mais 46 dias a partir de 16/11/2020. A trabalhadora foi dispensada em 09/2/2021.

Para a relatora, de forma diversa do entendido na sentença, o recebimento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda é presumível diante das sucessivas suspensões do contrato de trabalho. Ela ainda ponderou que, conforme havia afirmado a autora, as empresas nem mesmo alegaram, em suas defesas, o suposto não recebimento do benefício e a comprovação desse fato é ônus processual das rés, por ser impeditivo do direito postulado.

Por essas razões, a desembargadora reconheceu o direito da autora à garantia provisória no emprego decorrente da suspensão do contrato de trabalho, na forma da Lei nº 14.020/2020, por 46 dias, período equivalente aos dias da última suspensão do contrato de trabalho. Em relação aos períodos anteriores das suspensões temporárias do contrato, a relatora pontuou que já havia decorrido o prazo da garantia provisória estipulado na Lei.

Diante da dispensa imotivada ocorrida no período da garantia provisória, o recurso da trabalhadora foi parcialmente acolhido, para condenar as empresas, de forma solidária, a pagar a indenização à ex-empregada, nos termos do artigo 10, inciso II e parágrafo 1º, inciso III, da Lei nº 14.020/2020, correspondente a 100% do salário por 46 dias (relativos à última suspensão do contrato de trabalho), contados a partir da dispensa (9/2/2021), abrangendo apenas os salários do período, conforme previsão legal.

Ao finalizar, a desembargadora registrou que o programa emergencial do governo instituído pela Lei nº 14.020/20 tem por finalidade preservar o emprego, garantir as atividades laborais e empresariais e reduzir o impacto social causado pelo estado de calamidade e emergência de saúde pública, causados pela pandemia do novo coronavírus. “Trata-se de medida excepcional, adotada num cenário de grave crise econômica, social e de saúde, sendo norteado pela finalidade maior de conferir a empregados e empregadores meios de enfrentamento da crise, sob todas as suas facetas”, destacou. O processo já está em fase de execução.

Processo
• PJe: 0010191-02.2021.5.03.0086
• Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-MG)